quarta-feira, 27 de abril de 2016

TRF5 Responde: Você sabe como funcionarão os julgamentos agora que os Embargos Infringentes foram extintos?



O desembargador federal Vladimir Carvalho comenta

TRF5 Responde: Saiba como fica o precedente judicial com a vigência do novo Código de Processo Civil.


O desembargador federal Edilson Nobre esclarece

TRF5 Responde: entenda como ficará a rotina dos gabinetes dos desembargadores federais a partir da entrada em vigor do novo Código



Com a palavra, o professor de Direito Processual Civil, Marcos Netto

Ensaio fotográfico: À Luz dos Direitos

 
Ser (tão) de luz

Um olhar sobre a região das Espinharas, na Paraíba

Fotos: Juliana Galvão
Textos: Márcia Marinho








Tempo que se mede na espera;
Espera que se mede com calma;
o acender do fogão a lenha;

até que a lenha seja brasa


 
 
 
 
 

Olhos que se arregalam,
nutridos de esperança;
Um punhado de alegria,
No colo de uma criança.

 

Nem mesmo a idade gasta,
nem mesmo o sol a pino,
faz seu José descansar,
Abandonar seu destino.
A água ali é sagrada,
alimento cristalino.




 
 
 

Pode até faltar comida,mas prece não pode faltar.Na casa do sertanejo,Sempre haverá um altar.
 
 


É devoção a Maria,Confiança em São José,Dezenove de março,É festejado com fé.
 
 
 



A reza tem endereçoDe proteção e clamor,Que venha chuva abundante,Para plantar sem temor.







 
 


Naquele Sertão ardente,
A vida segue seu passo.
O homem na sua lida,
O gado cevando no pasto.
A prosa ao cair da tarde,
Faz esquecer o cansaço.
 

 
 

Onde toca um violino, vibra uma esperança



Projeto incentivado pelo TRF5 visa à formação de uma orquestra composta por 72 crianças da Comunidade do Pilar e da Escola Pedro Augusto

Elizabeth Lins de Carvalho

Na Grécia antiga, a música ocupava um lugar de destaque na formação dos jovens atenienses. Platão definia a arte dos sons como uma lei moral e dizia “que dava alma ao coração, asas ao pensamento e impulso à imaginação”. Troquemos, então, a lira pelo violino e a Acrópole pela Comunidade do Pilar. Teremos aí a reinvenção do projeto grego da música como instrumento de educação, ou, como diríamos em linguagem contemporânea, a música como caminho de cidadania e emancipação cultural. A iniciativa encontra sua metáfora no próprio instrumento, o violino, dotado de apenas quatro cordas, mas capaz de executar qualquer sinfonia, gerando novos sons.


Acreditando no potencial transformador da música, em dezembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 realizou a doação de 15 violinos do tipo ¾, tamanho ideal para crianças, à orquestra infantil formada por meninos e meninas da Comunidade do Pilar e das Escolas do Pilar e Pedro Augusto. A ação cidadã, desenvolvida em diapasão com a ONG Moradia e Cidadania e a Faculdade Frassinetti do Recife (Fafire), visa a contribuir com a transformação de jovens em situação de risco pessoal e social em músicos.


Foi mais que um acorde para a inclusão social. É a música a serviço da paz e da arte. Na alquimia da vida tudo conspira para o bem: a compra dos violinos foi feita com recursos advindos da venda de papel fragmentado e prensado para reciclagem, que é doado, há mais de 10 anos, pelo TRF5 à ONG Moradia e Cidadania, por meio do setor de Reprografia, ligado ao Núcleo de Gestão Documental. Trata-se de processos e documentos findos, que já cumpriram a sua função e temporalidade legal. Estatísticas da Reprografia dão conta que, somente em 2015, foram doadas 50 toneladas de papel.


Incentivador entusiasta do programa, o presidente do TRF5, desembargador federal Rogério Fialho Moreira, destacou a iniciativa como uma das mais relevantes em sua presidência. “Eu sabia que uma das coisas mais importantes da minha gestão seria este projeto, que transforma lixo em cultura. É tocante saber que, por meio da música, essas crianças poderão ter melhores oportunidades”. A diretora da Gestão Documental, Lúcia Carvalho, compartilha do mesmo pensamento. “Um documento que seria jogado fora, poderia virar lixo, vira violino; se transforma em música e cidadania”. Esta relação colaborativa, em que o Tribunal se envolve para promover o desenvolvimento social, já rendeu, entre outras ações, a construção da quadra da Escola do Pilar.


Fialho participou, ainda no ano passado, da primeira aula de violino para os estudantes, realizada na Escola Nossa Senhora do Pilar, localizada no Recife Antigo. Ministrada pelo maestro Deoclécio do Reis, o momento simbolizou a ‘primeira nota musical’ do projeto. Naquele dia ficou acertado que os futuros violinistas se encontrariam com o maestro Deoclécio dos Reis duas vezes por semana, nas segundas e terças-feiras, das 14h às 15h30.


Na ocasião, o presidente do TRF5 ressaltou os aspectos socioambiental e cultural da proposta, nascida de uma cooperação antiga do Tribunal com a ONG. Emocionado, ele disse, diretamente para as crianças: “tomara que esses violinos consigam transformar a vida de vocês. Que, com eles, vocês possam levar mais alegria, não só às vidas das pessoas, mas, principalmente, à de vocês”. E, ao ouvir “Noite Feliz”, tocada pelo maestro, fez um acordo com os pequenos: “no Natal do ano que vem, eu venho aqui e quero ouvir essa música tocada por vocês”.


Com tantas mãos envolvidas nessa causa, o primeiro acorde não tardaria para acontecer. Em 11 de março deste ano, as crianças se apresentaram, pela primeira vez, na Fafire, para comemorar os 75 anos de funcionamento daquela instituição de ensino superior. O espaço é um velho conhecido do grupo, já que os ensaios ocorrem nele. No entanto, o endereço situado na Av. Conde da Boa Vista, centro da cidade do Recife, recebeu, desta vez, não alunos, mas profissionais em construção, que, inclusive, emocionaram o público e foram aplaudidos de pé.



Presidente do Tribunal, desembargador federal Rogério Fialho durante visita à Escola Nossa Senhora do Pilar

 

Crescendo com harmonia - A orquestra infantil da Comunidade do Pilar pode parecer uma iniciativa recente, mas, na verdade, caminhou cerca de 10 anos para chegar onde está. Diversas pessoas se mobilizaram em suas áreas de atuação, cada qual com o desejo de criar novas parcerias e redes solidárias. Como o servidor Clóvis Araújo, supervisor da Reprografia do TRF5, músico, compositor e produtor musical, que teve a ideia em 2005. “Imaginei a criação de uma orquestra infantil no Pilar, algo que beneficiasse diretamente essas crianças, pois a música é um fator de inclusão social, além de exercício de desenvolvimento humano”, recordou.

Para ele, o maior desafio, no início, consistia em articular as condições que viabilizassem o projeto, a ação que garantisse a tradução da ideia para a realidade. A solução, no entanto, estava ali mesmo, no Núcleo de Gestão Documental do TRF, sob a forma de toneladas de papel fragmentado que, repassado e vendido pela ONG Moradia e Cidadania, poderia levantar recursos para a compra dos instrumentos. Clóvis percebeu isso, e, juntamente com a diretora do referido Núcleo, Lúcia Carvalho, levou a proposta à apreciação da direção do TRF5, que não só abraçou a ideia, como também autorizou a procura de uma pessoa que pudesse ministrar as aulas e reger a orquestra. 

O músico escolhido foi o maestro Parrot, professor de didática musical formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e um dos fundadores da Orquestra da Bomba do Hemetério, que possui larga experiência na chamada linha social da música. Parrot, codinome de Paulo Sérgio Albuquerque de Mello, elaborou o primeiro projeto de criação da orquestra infantil do Pilar, com apoio da direção geral e administrativa do TRF5. De acordo com ele, a relevância deste trabalho é dar às crianças e adolescentes da Comunidade do Pilar, no Recife Antigo, a oportunidade de um estudo musical teórico e prático. “É do conhecimento de todos que a música auxilia tanto o intelecto quanto a disciplina, oferecendo às famílias outra maneira de vencer os obstáculos financeiros, ao formar novos profissionais da música. A falta de ambientes de lazer na comunidade, por exemplo, gera tempo ocioso que deixa as crianças à mercê das drogas e da violência”, lembrou.
Embora Parrot não tenha chegado a ministrar as aulas, era conhecedor da realidade dos meninos que seriam atendidos pelo projeto. “Há também grande evasão escolar, devido à falta de interesse dos alunos. As dificuldades, sobretudo de ordem financeira, tornam necessária a intervenção dos poderes públicos em torno da comunidade marginalizada, oferecendo aos jovens uma oportunidade através do aprendizado musical, que prepara cidadãos úteis e afastados da marginalidade.”, acrescentou.

A formação da orquestra infantil ficou à espera de uma nova chance. Ao assumir a Presidência do TRF5 e tomar conhecimento da proposta, Rogério Fialho exclamou: o projeto é esse!, pondo em movimento as iniciativas necessárias. Dessa maneira, Selda Cabral, gestora da ONG Moradia e Cidadania, numa sincronia afinada, trouxe à baila o projeto “Com Notas e Cordas: Crescendo na Harmonia”, elaborado por um de seus alunos, o maestro Deoclécio Francisco dos Reis. Gerido pelo Núcleo de Extensão da
Fafire, a proposta tem como objetivo social ensinar alunos de escolas públicas do Recife a tocar instrumentos musicais. Foi o encontro das mãos com as cordas. A ponte entre o sonho e realidade estava construída.

Para descrever o seu esquema, o também professor Deoclécio destacou a força da educação na mudança do indivíduo e, sobretudo, da sociedade. “Foi acreditando nisso que o projeto musical Crescendo na Harmonia surgiu, em atendimento às crianças e adolescentes de escolas da rede pública, dando-lhes a oportunidade de uma formação mais ampla no que diz respeito à sensibilidade, estética e criatividade, sem deixar de mencionar, principalmente, a possibilidade de mudança em seu contexto sociocultural, dada a oportunidade de profissionalização. Um projeto musical, em princípio, com instrumentos de cordas, o qual possibilitasse a transformação na vida de crianças e adolescentes”, compartilhou.
Inicialmente, o projeto musical procurou atender a 18 alunos do ensino fundamental da Escola Municipal Pedro Augusto. No entanto, a ideia cresceu e tomou novos rumos. Com a participação e colaboração do TRF5, os alunos do 3º ao 5º ano do ensino fundamental da Escola Nossa Senhora do Pilar também foram contemplados. Entre eles, encontra-se um talento musical. Trata-se de Wanderson Cristiano Santos de Arruda, 11, cuja facilidade de aprender violino impressionou o maestro. “A postura, ao segurar o instrumento, é perfeita. Ele aprende com grande rapidez e já começa a tocar as primeiras notas, extraindo do instrumento um som puro e cristalino”, contou Deoclécio. Ao ser questionado sobre a importância do aprendizado musical em sua vida, Wanderson, cujo pai está desempregado e faz pequenos serviços, respondeu: “É muito bom, porque faz bem para mim e para meu futuro. Eu vou pela música. Também gosto de desenhar, mas a música liga a Deus”. 

Já Henrique Castro Gomes, 11, disse que, anteriormente, frequentava aulas de flauta, mas ficou muito grato pela oportunidade de aprender violino também. Agora, o seu desejo é aprender os dois instrumentos, a flauta e o violino. Ana Carolina, mãe de um dos alunos, declarou: “gostei da ideia, as crianças vão aprender hoje o que mais tarde vai ser o futuro deles”. Sim, no Pilar existem pobreza e panelas vazias, mas também violinos, que entoam a canção da vida e abafam a tristeza da situação de vulnerabilidade. 
 
A postura de Wanderson Arruda, 11, ao segurar o violino, impressionou o maestro Deoclécio Reis, coordenador do projeto

terça-feira, 26 de abril de 2016

Um monge de toga


Dono de decisões reconhecidamente humanas, o desembargador federal Manoel Erhardt também é reconhecido pelos seus pares como um dos magistrados mais pacifistas da 5ª Região

Wolney Mororó e Isabelle Câmara

Um vibrante torcedor do Sport Clube do Recife, que já exerceu várias funções no serviço público, mas que nasceu mesmo para ser juiz, como costuma dizer. Sentiu suas vocações muito cedo. Este é o nosso personagem: Manoel Erhardt de Oliveira, homem de origem humilde, fala mansa e pausada, que alcançou um dos mais altos postos da magistratura federal, mas que não perdeu a simplicidade e o dom de ouvir com atenção e respeito, deixando os interlocutores muito à vontade. Conta que, certa vez, realizando uma audiência em que se cuidava de saques indevidos de benefício do Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público - PASEP, interrogava uma cobradora de ônibus, na presença da acusada, cujo semblante revelava uma pessoa em estado bem sonolento e disperso. Ao término da audiência, a acusada o cumprimentou, se despedindo como se estivesse falando com alguém que já conhecia há bastante tempo e tinha alguma relação de intimidade: “Xau’, bem!”. 

Não à toa, entre os seus pares, há quem diga que ele é um monge. “Manoel Erhardt é um colega especial. Ele é uma pessoa extremamente polida, bem educada, com raciocínio jurídico que beira à perfeição. É um homem que passou em 1º lugar em todos os concursos que fez, demonstrando sua capacidade imensa. Ele é referência em direito administrativo, daí o Tribunal não decide praticamente nada nessa matéria sem ouvir a opinião dele, e tem a característica de conviver da melhor maneira possível com os colegas. Então, às vezes, ele é até meio tímido na defesa das suas posições, porque enquanto outros que têm a consciência de que estão corretos discutem, reafirmam, voltam às suas posições originais quando são contestados, Manoel quase sempre tem um estilo mais doce, mais tranquilo, dificilmente vai à réplica, à tréplica. Ele tem um espírito pacifista que o inibe desse debate, mas é alguém essencial dentro da composição do Tribunal, por essa visão madura, lúcida; visão de alguém que já não é mais tão criança e que já viveu todas as situações, portanto, tem uma compreensão da alma humana bem maior que os que estão no início de carreira, compatível com quem já tem muitos anos de estrada”, avalia o desembargador federal Paulo Roberto de Oliveira Lima.


Filho único do agente de estatística Epifânio dos Reis Erhardt e da professora Heloisa de Oliveira Erhardt, que trabalharam nos municípios de Tacaratu, Palmeirina e Angelim, até chegarem a Gravatá (todos em Pernambuco), onde Manoel nasceu, em 30 de maio de 1953. Confessa uma admiração especial pelo pai, que adquiriu significativos conhecimentos gerais, em razão de ter sido gráfico na antiga Gráfica Ramiro Costa. Conta que Seu Epifanio apreciava ler os livros antes de encaderná-los. Da mãe, o orgulho de ter ensinado a tantos em escolas do interior, onde mais carecia de professores. De ambos, a dignidade com que se houveram.


Ainda pequeno perdeu o pai estando mais próximo, a partir daí, pela avó materna, Celina Heloísa. Contam familiares que o menino adorava ler jornal, atividade que praticava diária e vespertinamente. Um dia, negaram-lhe o direito à sua leitura costumeira, o que o deixou muito triste e zangado. A zanga foi canalizada para os livros: obras de Guimarães Rosa, José Lins do Rêgo e Ariano Suassuna, por exemplo, passaram a povoar o universo literário de Erhardt. Em paralelo, aprendeu a gostar das coisas da sua terra, dos símbolos pernambucanos, a exemplo do frevo.  “Evocação nº 01”, do compositor pernambucano Nelson Ferreira, por exemplo, é capaz de alterar seu humor para um estado de espírito mais elevado.


Graduado
em Direito pela Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco – FDR/UFPE, em 1976, foi auxiliar administrativo do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado - IPASE (1974 a 1978) e técnico Judiciário da Justiça Militar Federal (1978 a 1980).  Em seguida, assumiu o cargo de juiz de Direito no Estado de Pernambuco, entre 1981 a 1982, e exerceu o cargo de juiz auditor substituto da Justiça Militar Federal da 7ª Circunscrição Judiciária Militar, no período de 1982 a 1984. Tomou posse no cargo de procurador da República, no Estado de Pernambuco, no período de 1984 a 1987. Na área acadêmica, ensinou Direito Administrativo na Faculdade de Direito de Olinda, em 1979, na Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, entre os anos de 1987 a 1990, e na Escola Superior da Magistratura de Pernambuco – ESMAPE, durante os anos de 1987 a 1993. Assumiu, cumulativamente, em 1990, o cargo de professor auxiliar de Direito Comercial, na FDR/UFPE, onde permanece até os dias atuais.


Em novembro de 1987, tomou posse no cargo de juiz federal, em Brasília-DF. Assumiu a titularidade da 1ª Vara Federal de Teresina (PI), onde exerceu a magistratura durante o período de 10/11/1987 a 24/01/1988. Foi removido para a 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, onde permaneceu de 25/01/1988 a 07/08/2007. Exerceu a direção do Foro da Seção Judiciária de Pernambuco nos anos de 1991, 1992, 2000, 2001, 2002 e 2003. Foi promovido a desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 em agosto de 2007, onde está até os dias atuais. Atualmente, é diretor da Escola de magistratura Federal da 5ª Região (Esmafe) e foi eleito, em junho de 2015,
desembargador eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), para o biênio 2015-2017, representando o TRF5.


Erhardt é confessadamente apaixonado pelo trabalho, mas admite que sua primeira paixão é a família: a esposa Vera Lúcia e os filhos Ana Carolina, André e Tiago, todos bacharéis e atuantes na área do direito. “Talvez por ter perdido os pais muito cedo, ele é um pai extremamente amoroso, presente, de modo que ele tem uma família muito bem constituída e tem um relacionamento espetacular com os filhos de quem ele sempre se cerca, da esposa que é a primeira e com quem ele mantém um casamento duradouro e harmônico”, revela Paulo Roberto. 

 
Família: a maior das paixões de Manoel Erhardt

Ana Carolina é defensora pública concursada da Defensoria Pública da União – DPU, coordenadora de curso de pós-graduação e colaboradora da Escola de Ensino Superior De Advocacia (ESA) da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de Pernambuco OAB/PE; André é procurador federal concursado da Advocacia Geral da União – AGU; e Tiago, proprietário e gestor de um curso preparatório para concursos públicos, juntamente com a mãe, dona Vera Lúcia. Mas o direito não é a única herança dada pelos pais. Segundo Erhardt, os filhos herdaram da família materna o interesse pela música, visto que Vera Lúcia é bisneta de Bombardino, popular maestro de Gravatá. André, o primogênito, fez aulas de canto, Tiago toca bandolim e guitarra, e Carol, a caçula, canta e fez aulas de piano.

O magistrado também tem uma terceira paixão: o time de futebol Sport Clube do Recife. À medida em que foi deixando de ir aos estádios de futebol para assistir aos jogos do time, passou a frequentar com mais assiduidade as reuniões da igreja católica, o que o fez desenvolver grande admiração pelo Papa Francisco. Conta que, aos oito anos de idade, viu o Sport ser campeão estadual e, no ano seguinte, conquistar o bicampeonato. Daí por diante, nem o jejum, que durou de 1963 a 1973, período em que o Náutico foi hexacampeão e o Santa Cruz foi pentacampeão, o fizeram desistir do Leão da Ilha.



Dono de decisões reconhecidamente humanistas, é dele o voto oral que decidiu, em 2012, portanto, antecipando-se ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), pela constitucionalidade do sistema de cotas para negros na Universidade Federal De Alagoas (UFAL), em processo da relatoria do desembargador federal emérito José Maria Lucena, na Apelação Cível nº 562744 (AL).

“Essa era uma questão extremamente difícil, que comportava mais de uma visão”, reconhece Paulo Roberto. “Ele deu um voto de improviso e longo que praticamente eliminou todas as dúvidas. Quem defendia uma tese, quem defendia outra, quase todos nos quedamos e acompanhamos a opinião dele nessa matéria. Ele é dono de alguns votos que são emblemáticos dentro desse tribunal. A despeito de ser extremamente legalista, o que significa dizer que se coloca dentro daquela moldura da lei, ele não é um defensor de um direito alternativo, não é defensor de um Judiciário que cria regras, ao contrario, é muito contido dentro do sistema jurídico, por vezes, quando isso se mostra necessário, faz o que ele mesmo chama de ‘ativismo judiciário’ e defende teses que estão longe de estar dentro do sistema jurídico, mas que sempre são a favor dos mais fracos, do hipossuficiente, daquele que está numa situação de necessidade, que demonstra uma compreensão muito grande com a alma humana”.


No ano de 2013, em matéria de cotas para alunos egressos de escolas públicas, decidiu em favor do estudante hipossuficiente: “Na hipótese, tendo em vista a previsão editalícia, constante no ponto 3.1 do Edital no. 018/2011, do Processo Seletivo Seriado 2012 da UFPB, de que ‘todos os candidatos concorrerão por concorrência geral’, vislumbro ser justo, razoável e legal que o demandante participe da concorrência geral”, proferiu Erhardt no processo de sua relatoria (APELREEX 28897/PB).


A admiração, o carinho e o respeito revelados na fala de Paulo Roberto ecoam em Manoel Erhardt. Ele nutre pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região - TRF5 um forte sentimento de bem estar, seja pela fraternidade dos relacionamentos pessoais que encontrou na Corte, seja pela proficiência do trabalho aqui realizado, haja vista a qualidade e a operosidade da Corte, frente aos demais em todo Brasil. “Aqui me senti muito bem, primeiro pelo clima de amizade e cordialidade entre magistrados e servidores. Depois, pela preocupação que existe com a produtividade e a excelência do trabalho, um bom exemplo para o Brasil de destaque no desempenho da prestação jurisdicional”, afirmou Manoel Erhardt. Erhardt revela que o que o norteia é o ideal de servir, de desenvolver uma atividade que venha a contribuir para o bem da sociedade.


Posse de Erhardt no TRF5 foi bastante prestigiada pela comunidade jurídica

A eternização da memória


Por causa do tempo: memória da Justiça Federal em Pernambuco” lança mão de fotos e fac-símiles de jornais para contar a história da Justiça Federal

Marina Afonso e César Castanha

“Ao admirarmos a obra que está a ser lançada, vem-nos à mente o questionamento: por que demoramos 125 anos para fazê-la?”, declarou a atual diretora do Foro da Justiça Federal de Pernambuco, juíza federal Joana Carolina Lins Pereira, sobre a importância do livro “Por causa do tempo: tempo memória da Justiça Federal em Pernambuco”. O fato que é que, após o empenho de servidores e juízes da Seção Judiciária de Pernambuco (SJPE), a memória da JFPE está eternizada nas páginas laboriosamente produzidas do livro comemorativo, lançado em 2015.

Quem gosta da história da democracia brasileira e procura informações sobre o judiciário pernambucano, hoje, já pode achar um acervo de informações muito bem distribuídas nas 150 páginas de “Por causa do tempo”. A obra revisita dados históricos e a estrutura da Justiça Federal no Brasil, apresentando a importância do Poder Judiciário para a construção da democracia no País; além de trazer informações daqueles que foram os arquitetos que contribuíram para a consolidação da SJPE.


Idealizado pelo juiz federal Frederico José Pinto de Azevedo em 2014, quando exercia a direção do Foro da SJPE, Por causa do tempo é resultado do empenho coletivo da Comissão do Espaço Memória, composta pelo coordenador da comissão, juiz federal Ubiratan de Couto Maurício, pelo juiz federal Frederico José Pinto de Azevedo e pelos servidores Alexandre de Souza Albuquerque e Maria de Lourdes Castelo Branco de Oliveira. A obra, contou o ex-diretor do Foro durante discurso de lançamento, “tem como mote construir o futuro olhando o passado”.

O livro se subdivide em capítulos que contemplam, primeiro, a história da Justiça Federal, seguida pela história da Justiça Federal em Pernambuco e, mais adiante, pela história de cada subseção judiciária, começando por Recife e terminando em Serra Talhada, no interior do Estado.
Relata desde a instalação da 1ª Vara e da Diretoria do Foro, no primeiro edifício sede, no Edifício Bitury, na Rua Diário de Pernambuco, no bairro de Santo Antônio, até o atual endereço da JFPE, na Avenida Recife, no Jiquiá, passando pela estrutura que construiu e, atualmente,  integra o judiciário pernambucano, com fotos e dados profissionais de todos os juízes federais e diretores de Foro.


Em seu discurso no lançamento do livro, que foi realizado no Espaço Memória da SJPE, situado na sede da JFPE, a juíza federal Joana Carolina destacou o trabalho ilustrativo do livro: “chamo atenção para as fotografias belíssimas, que não escondem o nosso orgulho pelas riquezas do nosso Estado”.
Por meio de fac-símiles de jornais e fotos dos principais fatos, a memória da JFPE é contextualizada nos acontecimentos nacionais e na geografia dos lugares que abrigam a Seção e as subseções judiciárias.


Como disse o escritor e bibliotecário Jorge Luis Borges, oportunamente lembrado no discurso da atual diretora do Foro pernambucano, “o livro é a grande memória dos séculos. Se os livros desaparecessem, desapareceria também a história e, seguramente, o homem”.  A partir dessa obra, considerada um marco literário na vida da JFPE, a memória da Justiça Federal está eternizada.


A história, segundo Por Causa do Tempo


A Justiça Federal brasileira é uma instituição irmã da República, as duas nasceram juntas em um novo Brasil. O País, em 15 de novembro de 1889, deixava de ser uma Monarquia Unitária e passava à condição de Estado Federativo, acompanhando o movimento republicano que já havia se consolidado nos Estados Unidos e na Argentina, por exemplo.


Instituído o federalismo como novo sistema político, a autonomia dos estados da federação é conquistada, e a união entre eles, garantida. Fez-se necessário, portanto, um poder judiciário que respondesse sistema federalista. A Constituição Provisória da República, publicada com o Decreto nº 510, de 22 de junho de 1890, então, adota o dualismo judiciário, fazendo do Judiciário Federal independente do Judiciário Estadual, como nos modelos da Justiça norte-americana, suíça e argentina.


Com o Decreto nº 510, de 22 de junho de 1890 oficializava-se, assim, as responsabilidades da Justiça Federal na República em que nascia. A Constituição Federal de 1891 trouxe poucas mudanças em relação ao Decreto, sendo a principal delas a criação dos Tribunais Federais, sem delimitação do seu campo de atuação. Em novembro de 1894, a Lei Nº 221 complementa a organização da Justiça Federal, ampliando a competência do Supremo Tribunal Federal, dos juízes seccionais e do Júri Federal.
 

 

Ubiratan de Couto Maurício, Joana Carolina Lins Pereira, Lourdes Castelo Branco de Oliveira e Frederico Azevedo, idealizadores e realizadores do livro

A chamada Constituição “Polaca”, posta em vigor na Ditadura de Getulio Vargas, em 1937, extinguiu a Justiça Federal, estabelecendo que “As causas propostas pela União ou contra Ella serão aforadas em um dos juízes da Capital do estado em que fôr domiciliado o réo ou o autor”. O Supremo Tribunal Federal foi mantido como Corte de Apelação para essas demandas. É apenas na Constituição de 1946, após a queda do Estado Novo, que a Justiça Federal é, em parte, restaurada, com a criação do Tribunal Federal de Recursos.

A Justiça Federal só volta a funcionar de fato, e com nova organização, durante o período da Ditadura Militar, pela Lei Nº 5.010, que também cria o Conselho da Justiça Federal (CJF), composto pelo presidente, vice-presidente e três ministros do Tribunal Federal de Recursos, e 44 cargos de Juiz Federal e Juiz Federal Substituto, a serem nomeados pelo Presidente da República dentre os nomes indicados, em lista quíntupla, pelo STF. Segundo a mesma Lei, a Justiça Federal de primeira instância passa a ser dividida em cinco regiões, e em cada Estado, Território e no Distrito Federal seria instalada uma seção judiciária.

A Constituição de 1988, que marca o processo de redemocratização do Brasil após uma longa ditadura (21 anos), estabelece profundas modificações na estrutura do Poder Judiciário. O TFR foi extinto, dando lugar ao Superior Tribunal de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais (TRFs), divididos por cinco regiões. O STJ ficou responsável por algumas atribuições anteriormente designadas ao STF e por outras do TFR. Como órgão superior acima dos Tribunais Federais e dos Tribunais dos Estados, o STJ serve de instância recursal para ambos.

Com a chegada do séc. XXI, o Brasil experimenta um intenso processo de interiorização da Justiça Federal, quando são instaladas 48 novas varas federais, a partir de 2010, apenas na 5ª Região, beneficiando mais de 2 milhões de pessoas nos estados jurisdicionados (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe). Em 1995, é inaugurada a nova sede da Seção Judiciária de Pernambuco, no Jiquiá. Desde então, 413 outras varas federais foram criadas no Brasil, distribuídas  entre as cinco regiões.


JUSTIÇA FEDERAL NA SOCIEDADE


Diretora do Foro SJPE, juíza federal Joana Carolina Lins Pereira
  
“Penso que o papel da Justiça Federal está intimamente relacionado ao exercício da cidadania. Demandar o respeito aos seus direitos, enfrentando o governo federal ou ente a ele vinculado, é um ato de dignidade. O Judiciário significa, para o cidadão, proteção contra o arbítrio e o abuso de poder”.
 
 

Diretor do Foro SJCE, juiz federal Bruno Leonardo Câmara Carrá


“O papel da Justiça Federal é imenso. De um lado, existem todas as demandas de natureza previdenciária onde o contato com a sociedade é direto. São em geral pessoas socialmente menos aquinhoadas e que, por meio da Justiça Federal, conseguem garantir suas aposentadorias, pensões ou outros benefícios previdenciárias”.




Diretor do Foro SJRN, juiz federal Marco Bruno Miranda
 
“O Estado brasileiro, infelizmente, tem um histórico autoritário ou de desapego ao cumprimento das normas jurídicas. O tema é complexo e merece um debate mais profundo, mas é certo que a Justiça Federal tem se destacado no curso da sua história por inverter esse dado cultural, a fim de promover o paradigma da juridicidade como referencial legítimo de regulação da sociedade brasileira. Esse tem sido, a meu ver, o principal papel da Justiça Federal desde sua criação: fazer com que o Estado e a sociedade sejam pautados pelo direito”.

Em busca do tesouro escondido

Foto: Arquivo da Polícia Federal

País rico em minérios explorados há séculos, o Brasil ainda não equacionou extração com legalidade e distribuição de riquezas

Christine Matos

País com imenso território, com uma formação rochosa antiga, o Brasil possui grande quantidade de minerais. Rico em minérios como ferro, manganês, nióbio e alumínio, o Brasil possui riquezas cobiçadas por muitos, seja para uso como matéria prima na construção civil ou até mesmo para embelezar acabamento em moradias, como é o caso do granito. Outra fonte de disputa pela propriedade são as pedras preciosas, produzidas, em grande parte, por garimpeiros, que atuam, muitas vezes, de modo informal.

Menos valiosas, mas que ao serem extraídas sem autorização do órgão competente, a retirada de pedras pode ser enquadrada também como uma transgressão da Lei dos Crimes Contra a Ordem Econômica (Lei nº 8.176/91). Em novembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 julgou uma apelação criminal, mantendo a decisão do Juízo da 8ª Vara Federal de Sergipe, que condenou um lavrador à pena de dois anos de reclusão, além de multa, pela extração irregular de pedras no Povoado Burlão, no município de São Domingos (SE). O lavrador e dois proprietários do terreno onde ocorria a extração das pedras tinham sido presos em flagrante pela Polícia Militar. Denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF), afirmaram que a atividade ilegal tinha sido interrompida. A perícia realizada no local constatou que a lavra ainda era executada, pois foram encontradas várias ferramentas utilizadas para a extração do minério, a exemplo de marretas, uma vara de ferro em forma de lança pontiaguda, uma pá e uma taiadeira. Havia pilhas de pedras prontas para serem transportadas e comercializadas.


De acordo com o relator da apelação no TRF5, desembargador federal Lázaro Guimarães, a defesa do acusado trouxe mais de uma vez a debate questões sociais acerca da figura do réu, tais como o fato de ter estudado apenas até a 5ª série do Ensino Fundamental, ser humilde e ter nascido em cidade do interior. “É sabido que tais fatores antropológicos não servem como excludentes de culpabilidade, porquanto a falta de recursos e a baixa instrução pedagógica não geram um sofisma lógico que leve obrigatoriamente a pessoa a adentrar na criminalidade”, afirmou.


Mas nenhum mineral explorado de forma irregular chamou tanta atenção, principalmente da imprensa, quanto a Turmalina Paraíba, considerada uma das 10 pedras mais valiosas do mundo. A gema ganhou esse nome porque é encontrada em apenas cinco minas em todo o mundo. Destas, três estão localizadas no Brasil: uma na Paraíba, descoberta em 1989, e duas no Rio Grande do Norte. De uma tonalidade rara de azul, a Turmalina Paraíba é hipnotizante, e uma joia com essa pedra pode custar alguns milhões de reais.

Mas o que faz a gema encontrada na Paraíba ter tanto valor monetário, despertando desejos e cobiça?  Embora as turmalinas sejam encontradas em várias localidades, a Paraíba possui
traços de cobre, manganês e ouro em percentuais únicos, o que proporciona um efeito de fluorescência que não se encontra em nenhuma outra pedra. As encontradas no distrito de São José da Batalha, no município de Salgadinho (PB) conseguem alcançar teores de cobre acima de 2%. Já as que são exploradas no Rio Grande do Norte e na África, esse teor é inferior a 0.80%. E isso faz muita diferença, segundo os especialistas.

Outro fato que desperta a atenção é o contraste entre a riqueza representada pelo que é encontrado no subsolo paraibano e as condições de vida da população do município de Salgadinho, onde a Turmalina Paraíba é encontrada. Segundo dados do IBGE, em 2015, o município de Salgadinho possuía uma população estimada em 3.871 pessoas. Com um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), em 2010, de 0,563, Salgadinho ocupa a 4984ª posição entre os 5.565 municípios brasileiros segundo o IDHM. Com relação à escolaridade da população de 25 anos ou mais, em 2010, 42,4% não concluíram o Ensino Fundamental ou são analfabetos.


Mais: de acordo com o Plano Brasil Sem Miséria, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, criado pelo Governo Federal, dos domicílios particulares permanentes de Salgadinho, 63% têm saneamento inadequado e outros 22,2% possuem saneamento semiadequado. Dados sobre Identificação de Localidades e Famílias em Situação de Vulnerabilidade (IDV) apontam que 26,3% das pessoas residentes em domicílios particulares permanentes possuem renda de até R$ 70, e 42,6% dos habitantes permanentes de Salgadinho possuem renda de até 1/4 do salário mínimo. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2010, apenas 39,12% da população do município morava em domicílios com banheiro e água encanada. Cerca de 70% da população são vulneráveis à pobreza.

Então, para onde vai o dinheiro? “As pedras que são exibidas em eventos luxuosos por celebridades e magnatas internacionais, e que são alugadas por atrizes de Hollywood para desfilarem no tapete vermelho do Oscar, deveriam também proporcionar aos habitantes de São José da Batalha e Salgadinho o progresso social, possibilitando melhores condições de vida, direitos fundamentais básicos para o desenvolvimento do ser humano, como proclamado pela Constituição Federal e pelos tratados internacionais”, propõe o procurador da República João Raphael Lima.


Operação Sete Chaves

A exploração irregular da Turmalina Paraíba é alvo da Operação Sete Chaves. Em 2 de março de 2009, o
Ministério Público Federal (MPF) instaurou Procedimento Investigativo para apurar denúncias da imprensa sobre a exploração irregular da pedra preciosa na Paraíba. O MPF requisitou diligências preliminares à unidade da Polícia Federal em Patos (PB) e, em 2010, foi instaurado um inquérito policial para investigar a extração irregular da Turmalina Paraíba. No curso das investigações, foi constatada que a empresa Parazul Mineração não possuía guia de utilização nem portaria de lavra, apenas um alvará de pesquisa, com data vencida.

De acordo com informações da Procuradoria da República na Paraíba, em junho de 2015, o MPF denunciou sete pessoas envolvidas na exploração ilegal da Turmalina Paraíba no distrito de São José da Batalha, município de Salgadinho (PB), no Cariri paraibano, a 170 km da capital João Pessoa. Sobre os réus pesa a acusação de crimes de usurpação de matéria-prima pertencente à União, exploração de minério sem licença ambiental, organização criminosa com emprego de arma de fogo e por tentáculos internacionais. O esquema criminoso foi desarticulado durante a Operação Sete Chaves, deflagrada pela Polícia Federal em 27 de maio de 2015, após intenso trabalho investigativo.

 
Valiosíssima, a Turmalina Paraíba é alvo de cobiça
Foto: arquivo da Polícia Federal

No dia 25 de fevereiro, a Primeira Turma de julgamento do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 julgou um habeas corpus de João Salvador Martins Vieira, um dos investigados na Operação Sete Chaves.
O objetivo era revogar a decisão do juízo de 1º Grau, que aplicou ao denunciado uma medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno e aos finais de semana. A defesa alegou constrangimento ilegal representado pelo excesso de prazo da medida constritiva. A Primeira Turma negou a ordem do habeas corpus, mantendo o recolhimento domiciliar do acusado. “Tenho, neste momento de estreita cognição, como não demonstrada qualquer das hipóteses de constrangimento ilegal a exigir reparo imediato, mormente dentre aquelas previstas nos arts. 647 e seguintes do Código de Processo Penal. Impõe-se, pois, a manutenção da medida substitutiva ao encarceramento, nos moldes em que ultimamente estabelecida”, afirmou o relator em seu voto, desembargador federal convocado Manuel Maia.

De acordo com o delegado da Polícia Federal na Paraíba, Fabiano Emílio, que conduz as investigações, João Salvador praticou estelionato internacional, pois trazia as turmalinas da África e as vendia como se fossem a Turmalina Paraíba, que possui um valor altíssimo. As investigações prosseguem, enquanto o TRF5 vem, desde o ano passado, julgando as demandas da Operação Sete Chaves. Dos dois inquéritos sobre a Operação Sete Chaves, um deles está no TRF5. O outro estava, até o fechamento desta matéria, na Procuradoria da República na Paraíba/ Ministério Público Federal. Ambos correm em segredo de justiça. O final dessa Operação ainda promete muitos capítulos e, entre uma cena e outra, a população do distrito de São José da Batalha segue a vida sem muita esperança de que a riqueza do seu subsolo possa vir à tona e transformar a realidade local.


Pedra sobre pedra - A exploração mineral no Brasil é regulamentada pela Lei 7.805, de 18/07/1989. E a permissão da lavra é concedida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), vinculado ao Ministério de Minas e Energia. A autarquia federal é responsável também pela fiscalização das atividades de mineração em todo o território nacional. Executar atividade garimpeira sem permissão ou licenciamento é crime. Os trabalhos de pesquisa ou lavra que causarem danos ao meio ambiente são passíveis de suspensão, sendo o titular da autorização de exploração dos minérios responsável pelos danos ambientais.

A licença ambiental prévia é obrigatória, concedida pelo órgão ambiental competente. Vale ressaltar que a
realização de trabalhos de extração de substâncias minerais, sem a competente permissão, concessão ou licença, constitui crime, sujeito a pena de reclusão, que vai de três meses a três anos, e multa. Além disso, acarretará a apreensão do produto mineral, das máquinas, veículos e equipamentos utilizados, os quais, após transitada em julgado a sentença que condenar o infrator, serão vendidos em hasta pública e o produto da venda recolhido à conta do Fundo Nacional de Mineração, instituído pela Lei nº 4.425, de 8 de outubro de 1964.

#SomosTodosHumanos


O refugiado Ndiogou Thiam (esquerda) e o presidente da Associação Senegalesa de Pernambuco, Amadou Touré, ambos senegaleses, afirmam que os instrumentos legais disponíveis no Brasil ainda não oferecem muita segurança jurídica aos refugiados
 

Ana Clara Reis e Felipe de Oliveira
 
Apenas dificuldades e adversidades no caminho. Abandonar sua terra de origem, seu povo, suas tradições, e, muitas vezes, até a própria família em busca da sobrevivência. Depois, em um novo e desconhecido lugar, enfrentar o preconceito e lutar para ter a sorte de conseguir uma ocupação que pague o básico, como um prato de comida.

Esta não é uma realidade nova para o povo nordestino. Na verdade, poderia ser a descrição da situação vivida por muitos que, durante anos, migraram, principalmente para região Sudeste do Brasil, em busca de novas perspectivas de vida, entre os anos de 1930 e 1990. Contudo, esta condição não é mais restrita ao fenômeno brasileiro; é compartilhada por outro grupo cada vez mais crescente e citado na mídia mundial: os refugiados.


Ao contrário dos imigrantes no inicio do século passado, que daqui partiam, eles enxergam o Nordeste como um local onde podem chegar e recomeçar sua história. Esta foi a opção feita pelo senegalês Diogoli Thiann, 30, que veio sozinho para o Brasil há cerca de cinco anos e, hoje, vive no Recife, trabalhando como camelô na movimentada Avenida Conde da Boa Vista, no “vuco-vuco”do Centro da cidade. Muito alto, magro e dono de uma simpatia característica de quem trabalha como comerciante, Diogoli contou que chegou ao País de avião, portando visto de turista e, logo depois, solicitou o refúgio em São Paulo. Com carteira de trabalho nas mãos, passou oito meses limpando janelas de vidro. “A vida em ‘San Paolo’ é muito cara. Pagava o aluguel e quase não tinha mais nada”. Por este motivo, Diogoli acabou se mudando para o Recife, onde sobrevive vendendo bijuterias.

Atualmente, divide apartamento com outros senegaleses e não sabe se um dia voltará para África. “Sempre tive vontade de vir para o Brasil por causa do futebol, via os jogos na televisão. Eu gosto de ser goleiro. Lá no Senegal eu trabalhava como... (esquece como é a palavra em português e pergunta ao seu conterrâneo, no dialeto Wolof, o que quer falar) ... Eu costurava.  Conseguir trabalho aqui em Pernambuco não é fácil. Também não foi fácil aprender a língua. Fui aprendendo sozinho – uma palavra nova a cada dia”, relembrou .

Apesar do
Senegal não ter conflitos internos como outros países do continente africano, ainda é um dos lugares mais pobres do mundo, motivando a saída de muitos em busca de uma vida melhor. O francês é o idioma oficial e o Islã, a religião dominante.  Diogoli renovou seu protocolo por três vezes e só teve sua situação como refugiado totalmente legalizada no Brasil após dois anos de espera. Assim como muitos outros imigrantes, ele adotou a estratégia de pedir o refúgio e, enquanto o processo não era julgado pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare), ficou livre de ser deportado. 

O presidente da Associação Senegalesa de Pernambuco, Amadou Touré, que também é senegalês, afirma existirem, hoje, 79 senegaleses oficialmente cadastrados no Estado. Mas, segundo ele, no Nordeste, o número real é muito difícil quantificar, pelo fato desta população não permanecer somente no Recife, mas também em Fortaleza (CE), Maceió (AL) e Aracaju (SE). “Viajam sempre pelo interior, para as festas religiosas, tentando vender seu artesanato e suas bijuterias, já que, nas capitais, há muito mais fiscalização da Prefeitura, que apreende suas mercadorias. O senegalês tem a veia para ser comerciante, empreendedor individual. Grande parte já possui o visto permanente e está legalizada”. Amadou relata que o perfil destes imigrantes é de homens entre 20 e 35 anos, e crê na tendência crescente deste fluxo.
Altino Mulungu, gestor do Escritório de Assistência à Cidadania Africana em Pernambuco (Eacape), instituição prestadora de assistência jurídica aos recém-chegados, acredita que, na época de sua elaboração, o Estatuto do Estrangeiro enfatizou os interesses do estado brasileiro, em detrimento aos direitos humanos. Assim, os instrumentos legais disponíveis não fornecem muitas opções relativas à segurança jurídica do imigrante. “Porém, nos serve como artifício jurídico, para que possamos ganhar tempo. O imigrante solicita o refúgio e, temporariamente, resolve a situação dele em termos de trabalho e atividade econômica, para sobreviver” explica.
  
Altino Mulungu acredita que o Estatuto do Estrangeiro enfatizou o Estado Brasileiro, em detrimento dos direitos humanos

Esta opinião é compartilhada pela desembargadora federal emérita do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5, Margarida Cantarelli, também professora das disciplinas Direito Internacional e Direito Penal Internacional no mestrado de Direito da Faculdade Damas. “
Este pessoal burla o Estatuto do Estrangeiro para buscar, pelo menos, uma regularização do trabalho, ou ficam em condição quase que de escravo. Juridicamente, o apoio é muito tênue. A Constituição de 1988 recepcionou o Estatuto, mas nunca houve uma adaptação dentro dos princípios internacionais, humanitários”, elucida.

No ano passado, a estudante Maeli Farias e o recém-formado Carlos Gomes, ambos da área de Relações Internacionais da Faculdade Damas, acompanharam de perto outro caso: o da congolesa Jael Asfine Mungo, 28. No início de 2015, a estrangeira, que fala francês, teria pago a funcionários de um navio atracado no porto da República do Congo para chegar ao Canadá. No entanto, foi enganada e aportou no Recife, onde foi orientada pela Polícia Federal a solicitar a condição de refugiada. Sem um local especializado para abrigar estrangeiros, ela acabou sendo encaminhada para a Comunidade Obra de Maria, localizada em São Lourenço da Mata, Região Metropolitana do Recife.

Por três meses, Jael aprendeu português com Carlos. “Ela se sentia muito sozinha, pois era impedida de sair da instituição. Sempre falava dos três filhos que havia deixado em seu País. Relatava que tinha se arriscado para ajudar a família”. Maeli completa dizendo que o Congo está em guerra civil e que as mulheres sofrem bastante com a violência sexual, praticada pelas milícias como instrumento de dominação. “Jael tinha ânsia para reconstruir sua vida, mas o Nordeste não ofereceu estrutura para seu desenvolvimento, fazendo com que a possibilidade de conseguir um emprego fosse muito baixa. Acabou indo para São Paulo”.

Diogoli e Jael são apenas dois exemplos que atestam quão difícil é para um estrangeiro ter a situação legalizada no Brasil. Para começar, só é possível solicitar a proteção do governo brasileiro em território nacional. Assim, o interessado deve procurar uma autoridade migratória na fronteira ou uma delegacia da Polícia Federal e pedir o refúgio. A solicitação é gratuita, não exige a presença de um advogado e pode ser feita fora de Brasília, cidade-sede do Conare. Com esse documento, é possível obter a Carteira de Trabalho e o Cadastro de Pessoa Física (CPF), bem como acessar os serviços públicos disponíveis no País.

De acordo com o Conare, presidido pelo Ministério da Justiça, o Brasil tem hoje 8.530 refugiados reconhecidos. A maioria proveniente da Síria, Senegal, Angola e Colômbia. Os haitianos não entram nesta conta, pois, até outubro de 2016, têm direito a uma modalidade específica de visto – o humanitário.  A reportagem da Argumento solicitou também a quantidade de refugiados presentes por Estados que compõem a 5ª Região da Justiça Federal: Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, contudo, o órgão não possui esta informação.

Não é à toa, portanto, que a chegada do primeiro casal sírio de refugiados ao Recife, em outubro de 2015, repercutiu tanto na imprensa.  Mouammar, 45, Nermim, 25, e o filho deles, Ameer, à época com cinco meses de vida, foram personagens de diversas matérias jornalísticas.

Além da curiosidade latente, outro fator que despertou o interesse do público foi a maneira como foram recebidos. A família foi morar na residência da pernambucana Bruna Guedes, 26, no município de Igarassu, Região Metropolitana do Recife, que adaptou um quarto para abrigá-los.

Para a casa de Bruna, a família síria levou o que ela descreveu como “a maior aula de Sociologia que ela e os seus hóspedes já vivenciaram”. Ao contrário do que muitos podem pensar, ela relatou não ter sentido medo, mas angústia, por ver tão de perto a situação deles. Bruna afirma também ter enfrentado resistência por parte da própria família, principalmente pelo fato de ter um filho de dois anos.

Passado o primeiro momento de euforia mediática, a imprensa ainda chegou a publicar outras matérias sobre o casal. Em novembro, foi noticiado que Mouammar ministrava aulas de violão na Escola de Arte Casa Mecane e que Nermim estaria fazendo contatos na área de Gastronomia. A reportagem da Argumento tentou entrevistar Mouammar, mas ele já não trabalha como professor de música. Segundo Bruna Guedes, eles se mudaram de sua residência, onde moraram até dezembro. Ela disse, ainda, que a família não mais aceitaria conceder entrevistas ou divulgar seu paradeiro. “Tudo está cada vez mais arriscado e perigoso. Uma palavra pode ser motivo para mais uma morte absurda. Eles têm muitos parentes lá. Não participar daquele horror e fugir significa ser inimigo”, complementou a pernambucana.

Em setembro do ano passado, a Prefeitura de Fortaleza/CE manifestou o interesse em abrigar 50 famílias de refugiados oriundos do conflito na Síria. A iniciativa pretende formar uma comissão com a Ordem dos Advogados do Brasil, Forças Armadas, Federação das Indústrias do Ceará e Câmara dos Dirigentes Lojistas, no intuito de levar a proposta ao MJ, já que este é responsável pela concessão de asilo e emissão de vistos para os refugiados. Até o fechamento desta edição, a assessoria de imprensa da Prefeitura informou que a proposta estava em análise no MJ.

O anúncio do prefeito veio um dia após a presidente Dilma Rousseff declarar, em mensagem liberada pelo Palácio do Planalto, a disposição do governo brasileiro em receber refugiados. O jornal O POVO (CE) anunciou na internet, então, a notícia: “Prefeitura quer abrigar sírios que fogem da guerra”. A matéria recebeu cerca de 30 comentários, a maioria deles indagando se a medida tinha por objetivo trazer terroristas para Fortaleza ou questionando se a preocupação da prefeitura não deveria ser as famílias cearenses morando nas ruas, bem como a crescente violência local. “Sair da guerra, vir para Fortaleza e ser morto nas ruas pelos bandidos?”, indagaram alguns internautas.

Números divulgados pela Organização Mundial da Saúde - OMS parecem justificar esses questionamentos. Segundo a OMS, no Brasil, de 2008 a 2011, mais de 200 mil pessoas perderam a vida vítimas de assassinato. Em outro dado comparativo, os 12 maiores conflitos no globo entre 2004 e 2007 mataram, juntos, 170 mil pessoas.

Na opinião do professor de Relações Internacionais da Faculdade Damas do Recife, Luís Emmanuel Cunha, os imigrantes não observam estes números, mas o contexto geral, ainda menos crítico, se comparado ao do país de origem. Segundo ele, muitos aqui permanecem até que a situação melhore. “Na verdade, quando eles vêm para cá é porque não conseguiram ir para a Europa. Ao se reestruturarem, saindo do medo imediato, muitos seguem para outros países da América do Sul. O Brasil acaba funcionando como uma primeira alternativa para resolução de uma situação crítica momentânea”.
Estudantes de Relações Internacionais, da Faculdade Damas (Recife/PE), que integram a Clínica de Direitos Humanos da instituição e apoiam refugiados em Pernambuco

Um estudo realizado pela agência especializada em pesquisa de mercado Hello Research, que ouviu mais de duas mil pessoas de 16 e 70 anos, por todo o território, e publicado pela revista Exame, em novembro de 2015, aponta que 40% dos brasileiros acredita que estes estrangeiros atrapalham o crescimento econômico e faz aumentar a quantidade de pobres. O Nordeste, por sua vez, é a região que mais rejeita os refugiados: 48% não quer a presença deste grupo no país. Para 38% dos ouvidos, eles são uma ameaça, por ocuparem vagas que poderiam ser de brasileiros. 

O professor- doutor em Relações Internacionais e cônsul de Malta, Thales Castro, analisa esses dados com preocupação e estarrecimento. “Historicamente, nós, nordestinos, sofremos com a rejeição do Centro Sul do Brasil e, agora, estamos reproduzindo estas práticas absurdas de não integração, de não acolhimento dos estrangeiros na nossa região. É um absurdo, um paradoxo. Lastimável; 48% é uma rejeição altíssima”.

Para Castro, este medo em relação à possível perda de uma fatia do mercado de trabalho para os estrangeiros é típico de uma primeira onda de choque de internacionalização. “O refugiado pode contribuir de maneira muito positiva para a economia porque renova parte da mão de obra, traz diversidade e integração cultural, o que é importante para a cidadania”.
 
Para Thales Castro, os refugiados podem incrementar a economia e contribuir com a diversidade e a integração cultural

Os “sem papel”
- Luís Emmanuel Cunha é responsável, junto com a professora Artemis Holmes, pela coordenação da Clínica de Direitos Humanos da Faculdade Damas, cujo trabalho se concentra em encontrar os refugiados espalhados pela capital pernambucana, com o objetivo de prestar assistência jurídica. As ações de coletas de dados, entrevistas e contato com as instituições parceiras são desenvolvidas com a participação dos alunos do curso de Relações Internacionais. É por meio desta interação que as partes criam um vínculo de confiança. Muitas vezes, o que se oferece é o básico, como apresentar os direitos fundamentais dos refugiados e as autoridades competentes para ajudá-los.
Os esforços da Clínica agora estão voltados para a concretização de um mapeamento capaz de informar o número e a nacionalidade dos imigrantes. “Nossos sistemas de educação e saúde não estão preparados para dar conta de uma pessoa em situação irregular. Se esta pessoa for para uma escola pedir uma vaga, exigirão documento, se for para uma UPA, pedirão o cartão do SUS. O direito fundamental acaba condicionado a um documento burocrático”, resume o professor Cunha.

Muitos estrangeiros não têm como provar materialmente a condição a que estavam submetidos, tornando todo o processo de legalização muito mais lento e difícil. “O Conare considera importante qualquer informação ou documentação que você traga para explicar as razões pelas quais você saiu do seu país”, esclarece o professor. 


Além disso, diferente do que ocorre na Europa, os que aqui chegam não recebem uma casa ou auxílio financeiro até reorganizarem a vida. Sem documentos, emprego ou domínio da língua portuguesa, tudo fica por conta do refugiado. O governo brasileiro não dispõe de um programa específico para estas pessoas, como  casas de referências ou atendimento jurídico especializado para estrangeiros.

Foi justamente com esta visão que, em dezembro do ano passado, o juiz federal Paulo Marcos Rodrigues de Almeida, da Justiça Federal em Guarulhos/SP, absolveu o refugiado sírio Ali Mutlak, encontrado com passaporte brasileiro falso no embarque para a Inglaterra, onde vive uma irmã dele.

Para a absolvição, consta nos autos que o magistrado reconheceu os horrores da guerra civil na Síria e o drama do refugiado, que teve sua família espalhada por diversos países. Além disso, o aspecto jovial de Ali Mutlak foi considerado. “Dada a sua juventude, resta suficientemente demonstrada a alegação de que, mais cedo ou mais tarde, seria chamado a lutar no conflito, seja pelo regime ditatorial em vigor na Síria, seja pelos rebeldes”.


Depois desse entendimento, a sentença que absolveu o refugiado ainda traz a problemática produzida pelo entrave burocrático brasileiro. “Seria desejável, evidentemente, que o réu buscasse superar as dificuldades de refugiado no Brasil pelas vias legais. Não obstante, seria ingenuidade ignorar a dura realidade dos imigrantes no País, quando a obtenção de informações e serviços públicos já é tão difícil mesmo para os brasileiros. Mais que ingenuidade, seria, no caso dos refugiados sírios devastados pela guerra civil, verdadeira desumanidade”, acrescentou o juiz federal.

Contudo, em março de 2016, a Justiça Federal entendeu que o status de refugiado a estrangeiro não dá o direito de familiares entrarem no país sem visto. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) negou liminar para que a esposa e os cinco filhos de um migrante haitiano ingressassem no Brasil. Depois do terremoto que devastou o Haiti em 2010, Jasnave Francique e sua mulher partiram para a República Dominicana. Depois, com a ajuda de atravessadores (coiotes) ele entrou no território brasileiro pela fronteira do Acre com a Bolívia. Em Florianópolis, foi abrigado por uma igreja e, em 2013, conseguiu se legalizar.

Ano passado, depois da família dele ter tido a solicitação de visto negada pelo consulado brasileiro na República Dominicana, Jasnave recorreu à Defensoria Pública da União (DPU).  O Órgão então moveu ação contra a União, alegando que a negativa à do refugiado feriu a dignidade da pessoa, a unidade familiar e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, dos quais o Brasil é signatário. A DPU alegou ainda que a família ficaria submetida aos riscos de uma travessia ilegal.

Em primeiro grau, o pedido foi negado e a DPU apelou ao TRF4. A desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler, relatora do processo na 3ª Turma do tribunal, negou o recurso. Conforme a magistrada, uma vez que “a concessão do visto é manifestação da soberania nacional, sendo defeso ao Judiciário imiscuir-se na matéria, salvo para o exame de alguma irregularidade formal”.

Thales Castro explica que são diversas as maneiras como estes imigrantes conseguem chegar ao Nordeste brasileiro. Assim como o caso da congolesa Jael, ele relata que muitos se escondem em porões de navio de transbordo, principalmente em países do Oriente Médio ou da África, ficando ali por dias e, quando percebem que estão próximos de algum país, se lançam ao mar. “No ano passado, houve casos de alguns que foram jogados em Suape e chegaram nadando. Como uma pessoa que mergulhou em alto mar terá papéis comprobatórios ou passaporte? Na França, eles são conhecidos como os “sans papiers”, ou seja, “os sem papel”.       


Margarida Cantarelli, quando presidente do TRF5, em 2004, também enfrentou uma situação delicada relacionada a imigrantes aspirantes à condição de refugiados. Cerca de 20 africanos viajaram clandestinamente no navio de
bandeira chinesa Tu King. Ao chegarem perto da costa do Recife, a tripulação os atirou ao mar. Eles foram salvos por pescadores brasileiros e alojados em um hotel. No entanto, o estabelecimento alegou não ter condição de permanecer com os hóspedes, o que fez com que o juiz decretasse a prisão dos estrangeiros. “Na véspera de Natal, você mandar prender 20 pessoas que tinham sido jogadas ao mar repercutiu muito negativamente. Os movimentos sociais, então, se responsabilizaram por abrigá-los. Eu concedi o habeas corpus para que eles deixassem o presídio Aníbal Bruno. Posteriormente, o pedido de asilo deles foi examinado e concedido a apenas dois deles, vindos da Costa do Marfim, e registrados na Cruz Vermelha” relembrou a desembargadora emérita.
De acordo com a desembargadora federal emérita e professora de Direito Internacional, Margarida Cantarelli, a Constituição Federal de 1988 recepcionou o Estatuto do Estrangeiro, mas nunca houve uma adaptação dentro dos princípios humanitários internacionais

Para Cantarelli, este fluxo migratório é um pedido implícito de asilo territorial. Segundo ela, os juristas tendem a encarar o fato por dois ângulos. Uma parte, afirma ser um direito do Estado, o qual determinaria a permanência ou não em seu território. Para outros, à luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos, este asilo seria um direito da pessoa, do indivíduo. “Se você nasceu, tem direito à vida. Agora, é mais profundo lutar pelo direito de continuar vivendo. Por isso, eu vejo, pessoalmente, esse pedido como um habeas corpus. Vou pedir isso porque quero liberdade, integridade, para mim e para minha família. Eu vejo nesse sentido humanitário. Essas pessoas vão tentar requerer uma garantia internacional individual”, define. Por este motivo, Cantarelli faz uma conexão bastante apropriada ao tema: lembra que o salvo-conduto tanto é o
documento emitido com a finalidade de permitir ao seu portador transitar por um território (normalmente em guerra) quanto o meio de se obter um habeas corpus.
 
Conheça os direitos e deveres dos solicitantes de refúgio no Brasil
 
DIREITOS
 
Não devolução Os solicitantes de refúgio não podem ser devolvidos ou expulsos para um país onde a sua vida ou integridade física estejam em risco. A proteção contra a devolução impõe, inclusive, o dever das autoridades brasileiras de garantirem que qualquer estrangeiro terá acesso ao mecanismo de refúgio, sobretudo nos controles migratórios nas fronteiras, portos e aeroportos.

Não penalização pela entrada irregular
Enquanto o pedido de refúgio estiver sendo analisado, os solicitantes de refúgio têm o direito de não serem investigados ou multados pelo ingresso irregular no território brasileiro.
Documentação Os solicitantes de refúgio têm direito a documentos de identidade (Protocolo Provisório) e carteira de trabalho provisória, os quais servirão de prova do seu direito de permanecer em território brasileiro até decisão final do processo de solicitação de refúgio.
Trabalho Os solicitantes de refúgio têm direito a carteira de trabalho, podem trabalhar formalmente e são titulares dos mesmos direitos inerentes a qualquer outro trabalhador no Brasil. O Brasil proíbe o trabalho de menores de 14 anos, o trabalho em condições análogas à de escravo e a exploração sexual.
Livre trânsito pelo território brasileiro
 
Educação Os solicitantes de refúgio têm o direito de frequentar as escolas públicas de ensino fundamental e médio, bem como de participar de programas públicos de capacitação técnica e profissional.
 
Saúde Os solicitantes de refúgio podem e devem ser atendidos em quaisquer hospitais e postos de saúde públicos no território nacional.
Não ser discriminado(a) Ninguém pode ter seus direitos restringidos em razão da cor da sua pele, pelo fato de ser mulher ou criança, por sua orientação sexual, por sua situação social, por suas condições econômicas ou por suas crenças religiosas. O racismo é considerado crime no Brasil.
Não sofrer violência sexual ou de gênero No Brasil, homens e mulheres têm os mesmos direitos e toda forma de violência contra a mulher, em razão do gênero ou da orientação sexual é crime. A mulher vítima de violência tem o direito a receber assistência médica e formalizar sua denúncia através do telefone 180 ou em delegacias de polícia especializadas em atendimento à mulher.
Praticar livremente sua religião O Brasil é um país laico que assegura a plena liberdade de culto, religião e crença.
 DEVERES - Respeitar todas as leis.
- Respeitar as pessoas, entidades e organismos públicos e privados.
- Renovar seu Protocolo provisório de solicitação de refúgio nas Delegacias de Polícia Federal e       mantê-lo sempre atualizado.
- Informar seu domicílio e mantê-lo atualizado nas Delegacias de Polícia Federal e junto ao Conare.

FONTE: Cartilha para Solicitantes de Refúgio no Brasil