terça-feira, 26 de abril de 2016

Um monge de toga


Dono de decisões reconhecidamente humanas, o desembargador federal Manoel Erhardt também é reconhecido pelos seus pares como um dos magistrados mais pacifistas da 5ª Região

Wolney Mororó e Isabelle Câmara

Um vibrante torcedor do Sport Clube do Recife, que já exerceu várias funções no serviço público, mas que nasceu mesmo para ser juiz, como costuma dizer. Sentiu suas vocações muito cedo. Este é o nosso personagem: Manoel Erhardt de Oliveira, homem de origem humilde, fala mansa e pausada, que alcançou um dos mais altos postos da magistratura federal, mas que não perdeu a simplicidade e o dom de ouvir com atenção e respeito, deixando os interlocutores muito à vontade. Conta que, certa vez, realizando uma audiência em que se cuidava de saques indevidos de benefício do Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público - PASEP, interrogava uma cobradora de ônibus, na presença da acusada, cujo semblante revelava uma pessoa em estado bem sonolento e disperso. Ao término da audiência, a acusada o cumprimentou, se despedindo como se estivesse falando com alguém que já conhecia há bastante tempo e tinha alguma relação de intimidade: “Xau’, bem!”. 

Não à toa, entre os seus pares, há quem diga que ele é um monge. “Manoel Erhardt é um colega especial. Ele é uma pessoa extremamente polida, bem educada, com raciocínio jurídico que beira à perfeição. É um homem que passou em 1º lugar em todos os concursos que fez, demonstrando sua capacidade imensa. Ele é referência em direito administrativo, daí o Tribunal não decide praticamente nada nessa matéria sem ouvir a opinião dele, e tem a característica de conviver da melhor maneira possível com os colegas. Então, às vezes, ele é até meio tímido na defesa das suas posições, porque enquanto outros que têm a consciência de que estão corretos discutem, reafirmam, voltam às suas posições originais quando são contestados, Manoel quase sempre tem um estilo mais doce, mais tranquilo, dificilmente vai à réplica, à tréplica. Ele tem um espírito pacifista que o inibe desse debate, mas é alguém essencial dentro da composição do Tribunal, por essa visão madura, lúcida; visão de alguém que já não é mais tão criança e que já viveu todas as situações, portanto, tem uma compreensão da alma humana bem maior que os que estão no início de carreira, compatível com quem já tem muitos anos de estrada”, avalia o desembargador federal Paulo Roberto de Oliveira Lima.


Filho único do agente de estatística Epifânio dos Reis Erhardt e da professora Heloisa de Oliveira Erhardt, que trabalharam nos municípios de Tacaratu, Palmeirina e Angelim, até chegarem a Gravatá (todos em Pernambuco), onde Manoel nasceu, em 30 de maio de 1953. Confessa uma admiração especial pelo pai, que adquiriu significativos conhecimentos gerais, em razão de ter sido gráfico na antiga Gráfica Ramiro Costa. Conta que Seu Epifanio apreciava ler os livros antes de encaderná-los. Da mãe, o orgulho de ter ensinado a tantos em escolas do interior, onde mais carecia de professores. De ambos, a dignidade com que se houveram.


Ainda pequeno perdeu o pai estando mais próximo, a partir daí, pela avó materna, Celina Heloísa. Contam familiares que o menino adorava ler jornal, atividade que praticava diária e vespertinamente. Um dia, negaram-lhe o direito à sua leitura costumeira, o que o deixou muito triste e zangado. A zanga foi canalizada para os livros: obras de Guimarães Rosa, José Lins do Rêgo e Ariano Suassuna, por exemplo, passaram a povoar o universo literário de Erhardt. Em paralelo, aprendeu a gostar das coisas da sua terra, dos símbolos pernambucanos, a exemplo do frevo.  “Evocação nº 01”, do compositor pernambucano Nelson Ferreira, por exemplo, é capaz de alterar seu humor para um estado de espírito mais elevado.


Graduado
em Direito pela Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco – FDR/UFPE, em 1976, foi auxiliar administrativo do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado - IPASE (1974 a 1978) e técnico Judiciário da Justiça Militar Federal (1978 a 1980).  Em seguida, assumiu o cargo de juiz de Direito no Estado de Pernambuco, entre 1981 a 1982, e exerceu o cargo de juiz auditor substituto da Justiça Militar Federal da 7ª Circunscrição Judiciária Militar, no período de 1982 a 1984. Tomou posse no cargo de procurador da República, no Estado de Pernambuco, no período de 1984 a 1987. Na área acadêmica, ensinou Direito Administrativo na Faculdade de Direito de Olinda, em 1979, na Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, entre os anos de 1987 a 1990, e na Escola Superior da Magistratura de Pernambuco – ESMAPE, durante os anos de 1987 a 1993. Assumiu, cumulativamente, em 1990, o cargo de professor auxiliar de Direito Comercial, na FDR/UFPE, onde permanece até os dias atuais.


Em novembro de 1987, tomou posse no cargo de juiz federal, em Brasília-DF. Assumiu a titularidade da 1ª Vara Federal de Teresina (PI), onde exerceu a magistratura durante o período de 10/11/1987 a 24/01/1988. Foi removido para a 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, onde permaneceu de 25/01/1988 a 07/08/2007. Exerceu a direção do Foro da Seção Judiciária de Pernambuco nos anos de 1991, 1992, 2000, 2001, 2002 e 2003. Foi promovido a desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 em agosto de 2007, onde está até os dias atuais. Atualmente, é diretor da Escola de magistratura Federal da 5ª Região (Esmafe) e foi eleito, em junho de 2015,
desembargador eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), para o biênio 2015-2017, representando o TRF5.


Erhardt é confessadamente apaixonado pelo trabalho, mas admite que sua primeira paixão é a família: a esposa Vera Lúcia e os filhos Ana Carolina, André e Tiago, todos bacharéis e atuantes na área do direito. “Talvez por ter perdido os pais muito cedo, ele é um pai extremamente amoroso, presente, de modo que ele tem uma família muito bem constituída e tem um relacionamento espetacular com os filhos de quem ele sempre se cerca, da esposa que é a primeira e com quem ele mantém um casamento duradouro e harmônico”, revela Paulo Roberto. 

 
Família: a maior das paixões de Manoel Erhardt

Ana Carolina é defensora pública concursada da Defensoria Pública da União – DPU, coordenadora de curso de pós-graduação e colaboradora da Escola de Ensino Superior De Advocacia (ESA) da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de Pernambuco OAB/PE; André é procurador federal concursado da Advocacia Geral da União – AGU; e Tiago, proprietário e gestor de um curso preparatório para concursos públicos, juntamente com a mãe, dona Vera Lúcia. Mas o direito não é a única herança dada pelos pais. Segundo Erhardt, os filhos herdaram da família materna o interesse pela música, visto que Vera Lúcia é bisneta de Bombardino, popular maestro de Gravatá. André, o primogênito, fez aulas de canto, Tiago toca bandolim e guitarra, e Carol, a caçula, canta e fez aulas de piano.

O magistrado também tem uma terceira paixão: o time de futebol Sport Clube do Recife. À medida em que foi deixando de ir aos estádios de futebol para assistir aos jogos do time, passou a frequentar com mais assiduidade as reuniões da igreja católica, o que o fez desenvolver grande admiração pelo Papa Francisco. Conta que, aos oito anos de idade, viu o Sport ser campeão estadual e, no ano seguinte, conquistar o bicampeonato. Daí por diante, nem o jejum, que durou de 1963 a 1973, período em que o Náutico foi hexacampeão e o Santa Cruz foi pentacampeão, o fizeram desistir do Leão da Ilha.



Dono de decisões reconhecidamente humanistas, é dele o voto oral que decidiu, em 2012, portanto, antecipando-se ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), pela constitucionalidade do sistema de cotas para negros na Universidade Federal De Alagoas (UFAL), em processo da relatoria do desembargador federal emérito José Maria Lucena, na Apelação Cível nº 562744 (AL).

“Essa era uma questão extremamente difícil, que comportava mais de uma visão”, reconhece Paulo Roberto. “Ele deu um voto de improviso e longo que praticamente eliminou todas as dúvidas. Quem defendia uma tese, quem defendia outra, quase todos nos quedamos e acompanhamos a opinião dele nessa matéria. Ele é dono de alguns votos que são emblemáticos dentro desse tribunal. A despeito de ser extremamente legalista, o que significa dizer que se coloca dentro daquela moldura da lei, ele não é um defensor de um direito alternativo, não é defensor de um Judiciário que cria regras, ao contrario, é muito contido dentro do sistema jurídico, por vezes, quando isso se mostra necessário, faz o que ele mesmo chama de ‘ativismo judiciário’ e defende teses que estão longe de estar dentro do sistema jurídico, mas que sempre são a favor dos mais fracos, do hipossuficiente, daquele que está numa situação de necessidade, que demonstra uma compreensão muito grande com a alma humana”.


No ano de 2013, em matéria de cotas para alunos egressos de escolas públicas, decidiu em favor do estudante hipossuficiente: “Na hipótese, tendo em vista a previsão editalícia, constante no ponto 3.1 do Edital no. 018/2011, do Processo Seletivo Seriado 2012 da UFPB, de que ‘todos os candidatos concorrerão por concorrência geral’, vislumbro ser justo, razoável e legal que o demandante participe da concorrência geral”, proferiu Erhardt no processo de sua relatoria (APELREEX 28897/PB).


A admiração, o carinho e o respeito revelados na fala de Paulo Roberto ecoam em Manoel Erhardt. Ele nutre pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região - TRF5 um forte sentimento de bem estar, seja pela fraternidade dos relacionamentos pessoais que encontrou na Corte, seja pela proficiência do trabalho aqui realizado, haja vista a qualidade e a operosidade da Corte, frente aos demais em todo Brasil. “Aqui me senti muito bem, primeiro pelo clima de amizade e cordialidade entre magistrados e servidores. Depois, pela preocupação que existe com a produtividade e a excelência do trabalho, um bom exemplo para o Brasil de destaque no desempenho da prestação jurisdicional”, afirmou Manoel Erhardt. Erhardt revela que o que o norteia é o ideal de servir, de desenvolver uma atividade que venha a contribuir para o bem da sociedade.


Posse de Erhardt no TRF5 foi bastante prestigiada pela comunidade jurídica

Nenhum comentário:

Postar um comentário