quarta-feira, 27 de abril de 2016

Onde toca um violino, vibra uma esperança



Projeto incentivado pelo TRF5 visa à formação de uma orquestra composta por 72 crianças da Comunidade do Pilar e da Escola Pedro Augusto

Elizabeth Lins de Carvalho

Na Grécia antiga, a música ocupava um lugar de destaque na formação dos jovens atenienses. Platão definia a arte dos sons como uma lei moral e dizia “que dava alma ao coração, asas ao pensamento e impulso à imaginação”. Troquemos, então, a lira pelo violino e a Acrópole pela Comunidade do Pilar. Teremos aí a reinvenção do projeto grego da música como instrumento de educação, ou, como diríamos em linguagem contemporânea, a música como caminho de cidadania e emancipação cultural. A iniciativa encontra sua metáfora no próprio instrumento, o violino, dotado de apenas quatro cordas, mas capaz de executar qualquer sinfonia, gerando novos sons.


Acreditando no potencial transformador da música, em dezembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 realizou a doação de 15 violinos do tipo ¾, tamanho ideal para crianças, à orquestra infantil formada por meninos e meninas da Comunidade do Pilar e das Escolas do Pilar e Pedro Augusto. A ação cidadã, desenvolvida em diapasão com a ONG Moradia e Cidadania e a Faculdade Frassinetti do Recife (Fafire), visa a contribuir com a transformação de jovens em situação de risco pessoal e social em músicos.


Foi mais que um acorde para a inclusão social. É a música a serviço da paz e da arte. Na alquimia da vida tudo conspira para o bem: a compra dos violinos foi feita com recursos advindos da venda de papel fragmentado e prensado para reciclagem, que é doado, há mais de 10 anos, pelo TRF5 à ONG Moradia e Cidadania, por meio do setor de Reprografia, ligado ao Núcleo de Gestão Documental. Trata-se de processos e documentos findos, que já cumpriram a sua função e temporalidade legal. Estatísticas da Reprografia dão conta que, somente em 2015, foram doadas 50 toneladas de papel.


Incentivador entusiasta do programa, o presidente do TRF5, desembargador federal Rogério Fialho Moreira, destacou a iniciativa como uma das mais relevantes em sua presidência. “Eu sabia que uma das coisas mais importantes da minha gestão seria este projeto, que transforma lixo em cultura. É tocante saber que, por meio da música, essas crianças poderão ter melhores oportunidades”. A diretora da Gestão Documental, Lúcia Carvalho, compartilha do mesmo pensamento. “Um documento que seria jogado fora, poderia virar lixo, vira violino; se transforma em música e cidadania”. Esta relação colaborativa, em que o Tribunal se envolve para promover o desenvolvimento social, já rendeu, entre outras ações, a construção da quadra da Escola do Pilar.


Fialho participou, ainda no ano passado, da primeira aula de violino para os estudantes, realizada na Escola Nossa Senhora do Pilar, localizada no Recife Antigo. Ministrada pelo maestro Deoclécio do Reis, o momento simbolizou a ‘primeira nota musical’ do projeto. Naquele dia ficou acertado que os futuros violinistas se encontrariam com o maestro Deoclécio dos Reis duas vezes por semana, nas segundas e terças-feiras, das 14h às 15h30.


Na ocasião, o presidente do TRF5 ressaltou os aspectos socioambiental e cultural da proposta, nascida de uma cooperação antiga do Tribunal com a ONG. Emocionado, ele disse, diretamente para as crianças: “tomara que esses violinos consigam transformar a vida de vocês. Que, com eles, vocês possam levar mais alegria, não só às vidas das pessoas, mas, principalmente, à de vocês”. E, ao ouvir “Noite Feliz”, tocada pelo maestro, fez um acordo com os pequenos: “no Natal do ano que vem, eu venho aqui e quero ouvir essa música tocada por vocês”.


Com tantas mãos envolvidas nessa causa, o primeiro acorde não tardaria para acontecer. Em 11 de março deste ano, as crianças se apresentaram, pela primeira vez, na Fafire, para comemorar os 75 anos de funcionamento daquela instituição de ensino superior. O espaço é um velho conhecido do grupo, já que os ensaios ocorrem nele. No entanto, o endereço situado na Av. Conde da Boa Vista, centro da cidade do Recife, recebeu, desta vez, não alunos, mas profissionais em construção, que, inclusive, emocionaram o público e foram aplaudidos de pé.



Presidente do Tribunal, desembargador federal Rogério Fialho durante visita à Escola Nossa Senhora do Pilar

 

Crescendo com harmonia - A orquestra infantil da Comunidade do Pilar pode parecer uma iniciativa recente, mas, na verdade, caminhou cerca de 10 anos para chegar onde está. Diversas pessoas se mobilizaram em suas áreas de atuação, cada qual com o desejo de criar novas parcerias e redes solidárias. Como o servidor Clóvis Araújo, supervisor da Reprografia do TRF5, músico, compositor e produtor musical, que teve a ideia em 2005. “Imaginei a criação de uma orquestra infantil no Pilar, algo que beneficiasse diretamente essas crianças, pois a música é um fator de inclusão social, além de exercício de desenvolvimento humano”, recordou.

Para ele, o maior desafio, no início, consistia em articular as condições que viabilizassem o projeto, a ação que garantisse a tradução da ideia para a realidade. A solução, no entanto, estava ali mesmo, no Núcleo de Gestão Documental do TRF, sob a forma de toneladas de papel fragmentado que, repassado e vendido pela ONG Moradia e Cidadania, poderia levantar recursos para a compra dos instrumentos. Clóvis percebeu isso, e, juntamente com a diretora do referido Núcleo, Lúcia Carvalho, levou a proposta à apreciação da direção do TRF5, que não só abraçou a ideia, como também autorizou a procura de uma pessoa que pudesse ministrar as aulas e reger a orquestra. 

O músico escolhido foi o maestro Parrot, professor de didática musical formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e um dos fundadores da Orquestra da Bomba do Hemetério, que possui larga experiência na chamada linha social da música. Parrot, codinome de Paulo Sérgio Albuquerque de Mello, elaborou o primeiro projeto de criação da orquestra infantil do Pilar, com apoio da direção geral e administrativa do TRF5. De acordo com ele, a relevância deste trabalho é dar às crianças e adolescentes da Comunidade do Pilar, no Recife Antigo, a oportunidade de um estudo musical teórico e prático. “É do conhecimento de todos que a música auxilia tanto o intelecto quanto a disciplina, oferecendo às famílias outra maneira de vencer os obstáculos financeiros, ao formar novos profissionais da música. A falta de ambientes de lazer na comunidade, por exemplo, gera tempo ocioso que deixa as crianças à mercê das drogas e da violência”, lembrou.
Embora Parrot não tenha chegado a ministrar as aulas, era conhecedor da realidade dos meninos que seriam atendidos pelo projeto. “Há também grande evasão escolar, devido à falta de interesse dos alunos. As dificuldades, sobretudo de ordem financeira, tornam necessária a intervenção dos poderes públicos em torno da comunidade marginalizada, oferecendo aos jovens uma oportunidade através do aprendizado musical, que prepara cidadãos úteis e afastados da marginalidade.”, acrescentou.

A formação da orquestra infantil ficou à espera de uma nova chance. Ao assumir a Presidência do TRF5 e tomar conhecimento da proposta, Rogério Fialho exclamou: o projeto é esse!, pondo em movimento as iniciativas necessárias. Dessa maneira, Selda Cabral, gestora da ONG Moradia e Cidadania, numa sincronia afinada, trouxe à baila o projeto “Com Notas e Cordas: Crescendo na Harmonia”, elaborado por um de seus alunos, o maestro Deoclécio Francisco dos Reis. Gerido pelo Núcleo de Extensão da
Fafire, a proposta tem como objetivo social ensinar alunos de escolas públicas do Recife a tocar instrumentos musicais. Foi o encontro das mãos com as cordas. A ponte entre o sonho e realidade estava construída.

Para descrever o seu esquema, o também professor Deoclécio destacou a força da educação na mudança do indivíduo e, sobretudo, da sociedade. “Foi acreditando nisso que o projeto musical Crescendo na Harmonia surgiu, em atendimento às crianças e adolescentes de escolas da rede pública, dando-lhes a oportunidade de uma formação mais ampla no que diz respeito à sensibilidade, estética e criatividade, sem deixar de mencionar, principalmente, a possibilidade de mudança em seu contexto sociocultural, dada a oportunidade de profissionalização. Um projeto musical, em princípio, com instrumentos de cordas, o qual possibilitasse a transformação na vida de crianças e adolescentes”, compartilhou.
Inicialmente, o projeto musical procurou atender a 18 alunos do ensino fundamental da Escola Municipal Pedro Augusto. No entanto, a ideia cresceu e tomou novos rumos. Com a participação e colaboração do TRF5, os alunos do 3º ao 5º ano do ensino fundamental da Escola Nossa Senhora do Pilar também foram contemplados. Entre eles, encontra-se um talento musical. Trata-se de Wanderson Cristiano Santos de Arruda, 11, cuja facilidade de aprender violino impressionou o maestro. “A postura, ao segurar o instrumento, é perfeita. Ele aprende com grande rapidez e já começa a tocar as primeiras notas, extraindo do instrumento um som puro e cristalino”, contou Deoclécio. Ao ser questionado sobre a importância do aprendizado musical em sua vida, Wanderson, cujo pai está desempregado e faz pequenos serviços, respondeu: “É muito bom, porque faz bem para mim e para meu futuro. Eu vou pela música. Também gosto de desenhar, mas a música liga a Deus”. 

Já Henrique Castro Gomes, 11, disse que, anteriormente, frequentava aulas de flauta, mas ficou muito grato pela oportunidade de aprender violino também. Agora, o seu desejo é aprender os dois instrumentos, a flauta e o violino. Ana Carolina, mãe de um dos alunos, declarou: “gostei da ideia, as crianças vão aprender hoje o que mais tarde vai ser o futuro deles”. Sim, no Pilar existem pobreza e panelas vazias, mas também violinos, que entoam a canção da vida e abafam a tristeza da situação de vulnerabilidade. 
 
A postura de Wanderson Arruda, 11, ao segurar o violino, impressionou o maestro Deoclécio Reis, coordenador do projeto

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